Pesquisar este blog

sexta-feira, 25 de maio de 2012

ESCRAVIDÃO E REESCRAVIZAÇÃO NO PIAUÍ


Rosymaura da Silva Duarte
 Especializanda em Educação, cultura e identidade
afrodescendente pela Universidade Federal do Piauí – UFPI – IFARADÁ. 2012


No Piauí criou-se o mito que não existem negros e índios devido ao processo de colonização do Piauí que foi o ciclo do gado. Muitos teóricos afirmaram que no ciclo do gado não se tinha trabalho escravo, mas trabalho realizado por mestiços livres, o vaqueiro sempre era um homem livre.

Em cima desse mito se constituiu a ideologia que no Estado do Piauí não teve escravos, portanto não têm negros e os índios foram dizimados por Domingos Jorge Velho. Nas descrições feitas sobre a província do Piauí sempre se tinha como um estado onde não tinha escravos. Somente com Odilon Nunes começa-se a desconstruir esse mito, embora de forma ainda restrita, pois retrata apenas a abolição e não a escravidão, para Odilon Nunes o escravo/a no Piauí eram bom, quem sofria era os libertos por não ter seu lugar,
uma visão paternalista.

Em cima dessa construção ideológica o Piauí até as décadas 80 não reconhecia seus e suas negros e negras, inclusive o então governador Mão Santa dizia em rede nacional de televisão a não existência de negros e índios no Piauí, levantando a tese do ciclo do gado. Na historiografia do Piauí é feita de descrições que convinha de acordo com o período que a escravidão se encontrava, em seus resquícios, e também como se tem a tese de que o povoamento foi feito do litoral para o sertão, então era um estado que não
necessitava de mão-de-obra escrava.

Mas em estudos mais recentes Luiz Mott derruba a tese do absenteísmo (negação), o autor na sua tese mostra que nas fazendas de gado não construídas pela égide da escravidão. O autor não abstém a existência da escravidão aproximando as relações sociais para as relações de classe.

Tânia Maria Pires Brandão vem a fazer sua dissertação de mestrado sobre a escravidão no Piauí, ela traz de volta a tese da negação de Odilon Nunes, trazendo como foco principal o pastoreio, aqui a autora dissocia o trabalho de escravo/a como fonte de riqueza, e retrata o escravo/a como símbolo de status.

“Isto significa a dizer que não havia uma relação direta
com o interesse de acumulação de bens, mas uma relação
muito mais social na posse do escravo, não apenas no
alivio de trabalho braçal, mas uma ostentação de posição
social” (BRANDÃO,Tânia Mª.Pires. pp. 154)

Tânia Brandão relaciona a escravidão no Piauí como instrumento de classe social, no entanto a autora se desfaz da linha da violência branda da escravidão no Piauí como autores anteriores defendiam e passam a defender a violência física e moral que os escravos sofreram, fato retratado na carta da escrava Esperança Garcia, a qual, denunciava maus tratos dos seus feitores. Esse era o período das denúncias, onde os/as escravos/as praticavam a denuncia, como fez Esperança Garcia. Tânia retrata o/a escravo/a como tendo privilégios, mesmo assim, não bastante para que os senhores dessem suas cartas de alforrias.
Miridan Brito Knox, traz em seus estudos as fazendas nacionais, no qual, atualmente se encontra a maioria das comunidades remanescentes de quilombos. Na sua tese Miridan, não se alinha a tese da negação, e sim da afirmação do trabalho escravo, embora que em quantidade pequena, pois as fazendas nacionais não necessitavam de muita mão-deobra. Aqui, a autora retoma ao mito das relações brandas, do trabalhador livre pelas campinas. A autora coloca na sua tese a “criação de escravos/as”, incentivo a procriação entre os escravos, mesmo após a Lei do Ventre Livre, ocorria esse estimulo, pois na tese da autora esses escravos detinham um sentimento de liberdade, no qual eram dados por seus feitores, por isso, eles não fugiam e nem havia rebeliões.

Podemos analisar que os teóricos que estudaram a escravidão no Piauí na sua maioria corroboraram de certa maneira para a tese de negação do escravo/a no Piauí. Os que não negaram, colocam os negros numa situação de cordialidade com seus senhores. Será que se tivesse ocorrido essa cordialidade entre escravos/as e senhores tantos negros/as viveriam na exclusão nesse estado? Na tese de Miridan, ela questiona porque os/as escravos/as não fugiam, se eles trabalhavam livres pelas campinas? Eles trabalhavam na “ilusão” da liberdade, nas promessas de seus senhores e/ou para libertar seus filhos/as da escravidão. Assim, muitos ainda tiveram suas alforrias, mas que logo após a proibição do tráfico negreiro esses escravos/as libertos foram perseguidos e reescravizados.

Na promessa de alforria, muitos negros/as trabalhavam na forma de pagamento nunca em dinheiro, mas em produtos, ou animal ou produção agrícolas, em alguns casos na promessa de um pedaço de terra. Todas essas tácticas foram utilizadas para seguram os/as escravos/as no trabalho forçado. Muitos dos registros encontrados retratam escravos/as fugidos/as, muitos com marcas de violência. Assim, podemos percebe que
teve escravidão no Piauí com maus tratos e inclusive com processos de reescravização. Keila Grinberg, ressalta no seu texto,

“O fato é que pouca atenção, até hoje, foi dada às práticas
de reescravização ocorridas no período, por intermédio
tanto da revogação da alforria quanto da escravização
ilegal de descendentes de indígenas, de libertas ou de
africanos chegados no Brasil após a lei 1831, que proibia
o tráfico atlântico de escravos.”


Keila Grinberg, analisa na sua tese a reescravização sobre a ótica do direito, das leis e dos processos no período da escravidão. A autora faz uma busca nas ações de liberdade, ações de manutenção de liberdade e ações de escravidão, nessas duas últimas, a autora de dedica. Como objeto de estudo Keila Grinberg discuti “em que medida era possível voltar a atrás em uma doação de liberdade, principalmente quando o individuo em questão já fora liberto há muito tempo”.

A justiça foi uma estratégia utilizada pelos/as negros/as para defender sua liberdade. Como a maioria dos juristas estudava fora do Brasil, e vinha imbuídos do sentimento de igualdade , liberdade e fraternidade, ideais do pensamento da revolução francesa, os/as negros/as vinham a possibilidade de ter suas liberdade garantidas e como homens livres eram também cidadãos com direitos e deveres.

No entanto deve-se salientar que foram ínfima a parcela de negros/as libertos que buscaram essa estratégia de buscar a justiça para defender sua liberdade, por isso, considera que a reescravização foi uma prática efetivamente executada. A maioria dos/as escravos/as não tinham acesso a leitura e as informações, e isso se perdura até os dias de hoje. Onde negros/as não acesso a escola, e não sabem de seus direitos.

A maioria dos casos de ações de liberdade analisados por Keila Grinberg tem o artigo 179 da Constituição Imperial, a ordenação filipinas, livro 4, titulo 11, parágrafo 4, apareceram em praticamente todas as ações de liberdade.


“O artigo 179 da Constituição Imperial, que versa sobre a
inviolabilidade da propriedade, era citado por advogados
dos proprietários de escravos, ao defenderem a
ilegalidade da retirada de suas propriedades sem prévio
consentimento.”


A princípio essas leis são mais favoráveis aos escravos/as, são leis feitas para e pelos senhores. O Supremo Tribunal de Justiça abriu um precedente que foi o caso de Rosalina Fernandes de Almeida, no alvará de 10 de março de 1862, que alegava que ela e seus filhos “já viviam há mais de 06 anos e, portanto, podia ser considerada livre, em virtude da prescrição de cinco anos, decretada no parágrafo 5 do alvará de 10 de março de 1682”. O objetivo era reforçar a escravidão antes dos/as irem para Palmares, bem como daqueles que tinham nascidos se fossem filhos/as de escravos/as. Podemos refletir, porque o Supremo Tribunal de Justiça tenha se lembrado de um alvará de 200 anos atrás? Tem todo um contexto temporal, mas não cabia mais ao Estado brasileiro manter a escravidão, as fugas, revoltas e o cenário não estava mais propício para a manutenção da escravidão.

“ O regime do cativeiro ainda era aceitável, era cada vez
mais difícil justificar a possibilidade de um individuo
passar da liberdade para a escravidão, principalmente
porque no Brasil, a conquista da liberdade significava
também adquirir direitos e cidadania.”




CONCLUSÃO

A escravidão no Piauí pode até ter sido mais branda, no entanto mais duradoura, pois perdura até os dias atuais. A tese da negação se enraizou no seio da sociedade piauiense que ainda hoje não consegue enxergar seus negros/as. Mesmo com movimentos sociais urbanos e rurais tentando obter sua visibilidade, ainda assim, somos invisíveis perante parte da sociedade, mas principalmente pelo poder público.

Fato este que estudamos nas escolas Zumbi, Ganga Zumba e se quer temos um material que fale da escravidão no Piauí, como as denuncias feitas por Esperança Garcia fosse invisível e/ou nunca estivesse existido. Nas lutas contemporâneas os quilombolas procuram seus direitos e se quer são reconhecidos enquanto negros/as devido a tese de negação que enraizou na sociedade piauiense.

Atualmente são cerca de 150 (cento e cinqüenta) quilombos em todo estado do Piauí que buscam seu reconhecimento perante as instituições detentoras das políticas públicas. E da mesma forma que foi feita com os escravos do período imperial, faz com os quilombos contemporâneos, aceitam-se um auto-reconhecimento do quilombo, mas os entraves burocráticos dificultam o acesso às políticas públicas, bem como as políticas de ações afirmativas.

Os resquícios do sistema escravista são visíveis, os/as negros são quem não tem acesso as políticas públicas e sociais desse Estado. A invisibilidade está somente na “cordialidade” da tese de negação, essa cordialidade ainda hoje é feita pelos senhores e senhoras modernos. Quando pegam as criadas pra olhar seus filhos/as em troca da ajuda, quando casam negros/as entre fazendas e doam um pedaço de terra não fértil para aquele casal, etc, são exemplos dos resquícios da escravidão no Piauí.

Nos quilombos no Piauí é fácil encontrar história de casamentos entre negros de fazendas diferentes, ambos os senhores davam aquele lote de terra para o casal, para que procriassem e seus filhos/as fossem trabalhar nas fazendas de gado, nos engenhos ou mesmo na plantação da mandioca. Por exemplo, a história do quilombo Tapuio – Queimada Nova é uma das tantas, Dionísio e Brígida tiveram seus casamentos arrumados por seus senhores, nem Dionísio e nem Brígida se consideravam escravos, pois era de dentro de casa grande, ao se casarem os senhores deram a posse das terras em pagamento do quinto de Dionísio, com o passar dos tempos os filhos/as de Dionísio e Brígida foram sendo os agregados dos seus senhores e até hoje seus descendentes trabalham para os brancos como agregados, nenhum era vaqueiro.

Histórias como o quilombo Tapuio são visíveis, mas a sociedade piauiense baseada nas teses de seus estudiosos as torna invisíveis. O grande desafio é dá visibilidade a história dos/as negros/as e ajudar aos negros e negras desse estado a (re) construir sua história. Como disse Maria Rosalina – Coordenadora Estadual das Comunidades Quilombolas no estado do Piauí (CECOQ/PI) “ Não viemos pra ser noticias, estamos aqui para ser sujeitos de direitos e (re) construir nossa história”.


Bibliografia


BRANDÃO. Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: Perspectiva histórica do século XVII. Editora da Universidade  Federal do Piauí, Teresina-PI, 1999.


GRINGBERG. Keila. Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX. IN: Direitos e Justiças no Brasil: Ensaios de história oral. ORG. Silvia Hunold Lara e Joseli Maria Nunes Mendonça. Editora da UNICAMP, Campinas -SP,2006, pp.100-128.

terça-feira, 22 de maio de 2012


Terras de mulheres negras: A construção da identidade quilombola no Piauí contado através das histórias de vidas das mulheres quilombolas.
Rosymaura da Silva Duarte
Especializanda em Educação, cultura e identidade afrodescendente pelo Núcleo de Estudo
sobre africanidades da Universidade Federal do Piauí – Ifaradá. Graduada em Ciências Sociais pela
UFPI.

Resumo
A proposta deste artigo consiste em realizar algumas reflexões sobre a relações sociais das comunidades de quilombos e seus aspectos identitários de resistência de suas matrizes africanas sobre o foco da questão de gênero. A escolha da temática se deu devido a duas provocações: A primeira, que no Piauí não possui negros/as e nem índios/as, cuja, a tentativa é de esconder os/as negros/as, com a justificativa de o Piauí ter sido colonizado no ciclo do gado, após a Lei Áurea. A segunda foi encontrada dentro do movimento quilombola no Piauí que possui as lideranças femininas na sua coordenação e em especial as mulheres do quilombo Tapuio. A argumentação deste artigo é apresentar algumas reflexões sobre a organização da comunidade quilombola Tapuio e seus aspectos identitários de luta, delineados pela força das mulheres. Vislumbrando como se dá a construção da territorialidade no quilombo e da importância feminina nessa construção, pois são essas mulheres que ficam na luta pela sobrevivência numa terra semi-árida, ressignificando suas tradições.

Palavras chaves: Quilombo, mulheres negras, identidade, territorialidade

O que é quilombo? Segundo conceito dado ao rei de Portugal em 1740 pelo Conselho Ultramarino é “toda habitação de negros escravos fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem achem  pilões nele” (SCHMITT, TURATTI, CARVALHO, 2002, p.02). Contudo, conceito de quilombo contemporâneo de quilombo ressalta as noções de identidade e território (lugar), isto é, com a relação entre o modo de vida com o lugar em que vive, “Parentesco e território, juntos, constituem identidade, na medida em que os indivíduos estão estruturalmente localizados a partir de sua pertença a grupos familiares que se relaciona a lugares dentro de um território maior”. (SCHMITT, TURATTI, CARVALHO, 2002, p.04)


As comunidades quilombolas se ressignificam, através dos seus modos de vida, e variam de uma  comunidade para outra, sem ocorrer hegemonia, isto é, cada comunidade possui seu modo de serem, vivências, experiências e sabedorias, principalmente, através de ritos próprios de cada quilombo. E os ritos são de expressiva importância na composição do que chamo de táticas de resistência2 e, assim observar o cotidiano feminino, significa aprender os códigos e signos emitidos, sobretudo pelas mulheres quilombolas. 

As mulheres quilombolas têm muita importância na manutenção dos modos de viver e ser quilombola, por isso, quilombola não é uma construção e/ou invenção. Muito se falam em heróis negros, mas quase nada se tem sobre as heroínas negras, como por exemplo, Acotirene e Aqualtune, ambas de Palmares e a famosa rainha Teresa do quilombo Quariterê em Mato Grosso, a sua força de resistência das mulheres quilombolas, Esperança Garcia escrava negra no Piauí, que denunciou os maus tratos dos senhores de escravos. Mulheres guerreiras e que contribuíram muito para a resistência da cultura de África no Brasil. 

A história de vida das mulheres quilombolas, não é muito diferente das mulheres camponesas, a distinção é a etnia, através da territorialidade e da cultura herdada de seus antepassados. Um exemplo de importância histórica para as mulheres quilombolas é a história de vida da rainha Teresa que administrou o quilombo Quariterê- Mato Grosso cerca de “duas décadas, até 1770. Contava com um parlamento um conselheiro da rainha e um sistema de defesa com armas trocadas com brancos ou furtadas nas propriedades vizinhas”(SCHUMAHER, Schuma.2007.p.82). Mulheres com essas histórias de vida são geralmente esquecidas e/ou negadas, pois para uma sociedade patriarcal os heróis da resistência são os homens, como por exemplo, Zumbi dos palmares. Entretanto quando falam de Zumbi quase não ou nunca fala de Acotirene, sua rainha que era quem organizava o quilombo, principalmente no setor produtivo.

Se hoje podemos identificar as comunidades de quilombos, as mulheres possuem contribuição muito importante para a resistência da cultura afro-descendente. 

Rito ou ritual é um conjunto de atos formalizados, expressivos, portadores de uma dimensão simbólica. (SEGALEN, Martine.2002.p.31)
 Chamo táticas de resistências os meios que as comunidades quilombolas utilizam para resistirem ao
sistema de exclusão e marginalização, é o que Maria Aparecida Carneiro chama de estratégias de
sobrevivências.

A organização, principalmente da parte cultural ficavam por canta das mulheres mocambeiras ou quilombolas, segundo SCHUMAHER , “a participação das mulheres foi determinante e fundamental, tanto na manutenção prática, com o abastecimento de provisões, confecção de roupas e utensílios, quanto na preservação de valores culturais e religiosos”(2007.p.82).

Ao se ressignificar a identidade3 quilombola, através de seus ritos, tradições e cultura sem falarmos de gênero, territorialidade e raça e etnia, estaremos fazendo um debate incompleto sobre as comunidades quilombolas.

O termo raça é mais utilizado neste ensaio como um termo político-discursivo. Já o termo etnia está mais direcionado a cultura, “características culturais – língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar” – que são partilhados por um povo” (HALL,Stuart, 2000, p.62).O que se percebe é que a identidade quilombola foi (re) construída a partir da luta pela terra e pelo reconhecimento das terras de quilombo, entretanto no Piauí essa identidade é ressignificada, através da cultura e tradições das comunidades quilombolas fazendo uma correlação entre Territorialidade, cultura, meio-ambiente e religiosidade.

As mulheres quilombolas são detentoras dos saberes tradicionais, das rezas, medicina natural, comidas típicas, bem como foram e são importantes na organização social da comunidade, e o importante, são as mulheres dos quilombos as responsáveis de passar para as gerações os saberes tradicionais. Assim, as mulheres quilombolas adotam as mais variadas táticas de resistência dos saberes tradicionais, com o intuito de não perder a herança sócio-cultural dos seus antepassados. Com isso, as mulheres quilombolas entram no contexto de importância na luta pelos seus direitos, como mulheres negras e como quilombolas. Principalmente no momento em que os quilombolas passam a ser sujeitos direitos, as mulheres negras sempre estiveram na frente da luta dos quilombolas.

No Piauí, não é diferente as gestões a frente da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas são de duas mulheres quilombolas, que, assim, como Acotirene são guerreiras, Maria Rosalina dos Santos do quilombo Tapuio e Osvaldina Rosalina dos Santos, as filhas de Vicente do Tapuio como são mais conhecidas. Ao lado de seu Tio José Andrelino dos Santos, iniciaram a luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas no estado do Piauí. Com o falecimento do Sr. José Andrelino, Maria Rosalina assume a liderança do movimento quilombola a nível estadual, nacional e internacional, além de suas múltiplas identidades, construídas paralelamente e não sendo complementares:
 Para Peter Berger e Tomás Luckman a identidade cultural é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relações sociais (.......)

  Tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserido qualquer atividade ou experiência articular na comunidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez são estruturados por práticas sociais recorrentes. (GIDDENS, 1990, pp. 37-8, APUD, HALL, Stuart, 2000, pp.14-15)

A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica. Isto é, ela é a categoria organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, frequentemente pouco específico, de diferenças em termos de características físicas – cor da pele, textura do cabelo, características físicas corporais, etc. – como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo de outro. (HALL, Stuart, 2000, pp.63)


“Enquanto a Maria da comunidade quilombola Tapuio, Maria do Povo – liderança sindical, Maria Rosalina a liderança do movimento quilombola no Piauí, são identidade que adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas” (SANTOS, Carlos Alexandre B. Plinio, P. 167)

Osvadina Rosalina dos Santos, irmã de Rosalina, assume a liderança da comuniadde e é uma especie de suporte para sua irmã. Mulher, negra, solteira, nascida na Comunidade Quilombola de Tapuio em 01 de dezembro de 1955, Bisneta de ex-escravos (Dioniso e Brígida), seus pais Rosalina Ana dos Santos e Vicente Francisco dos Santos tiveram 09 (nove) filhos, sendo que Osvaldina Rosalina dos Santos é a terceira dos nove filhos. Foi socializada dentro da comunidade quilombola Tapuio, no qual desenvolve atividades de roça, pastoreio, e da lida de casa. Começou sua militância através da igreja católica com a catequese das crianças, culto dominical (celebração da palavra). De 1994 a 1998 assumiu a coordenação paroquial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da juventude rural, sobre os olhares da comunidade que não admitia uma jovem mulher tomar as decisões.

Sempre motivando o trabalho organizacional na comunidade, através do grupo de mulheres, mutirão da roça: plantio e colheita, mutirões das festas (casamento, novena tradicional, etc.). Com tudo isso, se motivou a abrir-se para novos olhares, absorvendo as teorias e discussões sobre as temáticas do mundo, através de encontros de formação, capacitações, e principalmente a participação no encontro intereclésial (promovido pela igreja católica para discutir as problemáticas sociais que afetam as comunidades) na Bahia em 2000 foi marco decisório na sua vida de militante e de mulher. Liderança feminina da comunidade participou de capacitações do MEB (Movimento de Educação de Base), neste período surgiu à motivação para a construção de uma associação na comunidade, esta associação que já possui 23(Vinte e três) anos e que hoje recebe vários projetos desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida das famílias.

Conclusão
Consideramos essa união de identidade com o lugar como uma mediação entre as praticas culturais e as condições sociais, isto é, o habitus. A qualidade de quilombola é dada atualmente, através das noções de identidade e território, distinto daquele dado pelo Conselho Ultramarino. “A noção de quilombola designa na contemporaneidade um legado, uma herança cultural ou material que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar específico” (SCHMITT, TURATTI, CARVALHO, 2002, pp.04).

O decreto 4.887/2003 que regulamenta a titulação das terras de quilombos traz como conceito de quilombo o seguinte:
“ Considera-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste
decreto, os grupos étnico-raciais, segundo o critério da auto-atribuição,com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais especificas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida”. (art.2º do decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003

No Piauí, o reconhecimento das comunidades quilombolas partiu da valorização da cultura da resistência quilombola, principalmente, através das lideranças femininas, como por exemplo, as irmães Maria Rosalina dos Santos e Osvaldina Rosalina dos Santos, ambas do quilombo Tapuio. Dentro do quilombo Tapuio essas mulheres passaram a serem lideranças, sob forte pressão dos seus griots , que não aceitavam que duas mulheres pudessem liderar a comunidade, isto é, tomar decisões e obter espaço de poder dentro do quilombo Tapuio.Mesmo seu pai, Vicente Francisco dos Santos, apoiando suas filhas, passou a liderança da comunidade ao seu sobrinho Inácio Adriano dos Santos, no entanto, no seu leito de morte Sr. Vicente disse ao olhar sua filha Osvaldina, “ Essa é Vicente de saias”, reconhecendo ali, toda a liderança e o conhecimento que sua filha tinha adquirido, através da militância.

Entendemos a teoria do habitus como: “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefa infinitamente diferenciada, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p.65)

Griots – mais velhos da comunidade de quilombo os contadores de histórias.

Atualmente, Osvaldina Rosalina dos Santos é Coordenadora Estadual das comunidades quilombolas no Piauí – CECOQ/PI e Maria Rosalina dos Santos faz parte da coordenação da CONAQ e vereadora do PT no município de Queimada Nova. Através da cultura quilombola é que as mulheres vêm se destacando dentro do movimento quilombola no Piauí, pois são detentoras e herdeiras dos saberes tradicionais das rezas, comidas, tradições, ladainhas, etc. Em lugares como as rezas tradicionais, a capoeira, a roça, a varrição dos terreiros, lavação de roupas, lugares que as mulheres permeia no seu dia-a-dia é que são realizadas as trocas de saberes e vivências, isto é, as trocas simbólicas.

Em suma, os espaços da luta quilombola tanto numa visão macro como os espaço dentro de cada quilombo numa visão micro, perpassam a resistência das mulheres quilombolas no Piauí. Elas são de suma e total importância no contexto da lutas pelas  políticas públicas e sociais para os quilombos contemporâneos. No qual, os quilombos passam ser sujeitos de direitos e as mulheres saem da invisibilidade para a visibilidade (
Carlos Alexandre), através da luta e militância. De Acotirene a Maria Rosalina e Osvaldina Rosalina, foram e são muitas histórias de vidas de mulheres quilombolas que assumem seus os quilombos na sua organização, liderança, no entanto, ainda se tem vislumbrado nas ações e lutas somente heróis negros.

O quilombo Tapuio hoje possui lideranças que estão (re) construindo suas histórias sem mediações. Maria Rosalina é vereadora do PT e possivelmente candidata a prefeitura do município, mesmo sendo chamada de “nega arrepiada” pelos seus opositores, ela entende que das múltiplas identidades que assumiu ocupar uma vaga no legislativo ou executivo é o maior de seus desafios como mulher e negra. Osvaldina, frente a Coordenação Estadual das comunidades quilombolas e presidente da Associação do quilombo Tapuio, tem como desafio maior, continua a ressignificar a cultura e religiosidade da comunidade, além é claro de ser uma base forte de segurança para sua irmã Rosalina. È como Osvaldina transferisse seus sonhos, anseios e desejos para sua irmã realizá-los. Até nisso, as negras do quilombo Tapuio assume o espaço do bem comum, mesmo nos sonhos e desejos.



Bibliografia
ALMEIDA, Alfredo W.B. Terras de Quilombos, Terras Indígenas, “Babaçuais Livres”,
“Castanhais do Povo”, Faxinais e Fundos de Pastos: Terras tradicionalmente ocupadas.
Manaus: PGSCA/UFAM, 2008, pp. 25-47
BARSTED, Leila Linhares. Gênero e Desigualdades. Anais eletrônicos, disponível em
http://www.cepia.org.br/doc/generodesigualdades.pdf acesso em 13/jul/07.
BERGER, Peter e LUCKMAN, Thomas. A construção Social da Realidade. São
Paulo, Vozes, 2004.
CARVALHO, Mª Celina Pereira, de, TURATTI, Mª Cecília Manzoli, SCHITT,
Alessandra. A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas
definições teóricas, disponível em
http://www.scielo.br/sciello.php?script=artetex.pid=S1414-753x200200010008 acesso
em 12/jul/07
CASTELLS, M. O Poder da Identidade – A era da informação: Economia, Sociedade e
Cultura. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2002.
FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendente: identidade em construção. São
Paulo: Educ, Rio de janeiro: Pallas, 2000.
HALL, Stuart. A identidade Cultural na Pós- Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2000.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Rio de
Janeiro: Senac nacional, 2007.
PROJETO VIDA DE NEGRO. Projeto vida de negro. Terras de preto no Maranhão:
Quebrando o mito do isolamento. Coleção Negro Cosme vol. III, São Luís, 2002.
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro, Editora FGV,
2002.