Rosymaura da Silva
Duarte
Especializanda
em Educação, cultura e identidade
afrodescendente pela
Universidade Federal do Piauí – UFPI – IFARADÁ. 2012
No Piauí criou-se o mito que não existem negros e
índios devido ao processo de colonização do Piauí que foi o ciclo do gado.
Muitos teóricos afirmaram que no ciclo do gado não se tinha trabalho
escravo, mas trabalho realizado por mestiços livres, o vaqueiro sempre era
um homem livre.
Em cima desse mito se constituiu a ideologia que no
Estado do Piauí não teve escravos, portanto não têm negros e os índios
foram dizimados por Domingos Jorge Velho. Nas descrições feitas sobre a
província do Piauí sempre se tinha como um estado onde não tinha escravos.
Somente com Odilon Nunes começa-se a desconstruir esse mito, embora de
forma ainda restrita, pois retrata apenas a abolição e não a escravidão, para
Odilon Nunes o escravo/a no Piauí eram bom, quem sofria era os libertos
por não ter seu lugar,
uma visão paternalista.
Em cima dessa construção ideológica o Piauí até as
décadas 80 não reconhecia seus e suas negros e negras, inclusive o então
governador Mão Santa dizia em rede nacional de televisão a não existência
de negros e índios no Piauí, levantando a tese do ciclo do gado. Na
historiografia do Piauí é feita de descrições que convinha de acordo com
o período que a escravidão se encontrava, em seus resquícios, e também
como se tem a tese de que o povoamento foi feito do litoral para o sertão,
então era um estado que não
necessitava de mão-de-obra escrava.
Mas em estudos mais recentes Luiz Mott derruba a
tese do absenteísmo (negação), o autor na sua tese mostra que nas fazendas
de gado não construídas pela égide da escravidão. O autor não abstém a
existência da escravidão aproximando as relações sociais para as relações
de classe.
Tânia Maria Pires Brandão vem a fazer sua
dissertação de mestrado sobre a escravidão no Piauí, ela traz de volta a
tese da negação de Odilon Nunes, trazendo como foco principal o pastoreio,
aqui a autora dissocia o trabalho de escravo/a como fonte de riqueza, e
retrata o escravo/a como símbolo de status.
“Isto significa a dizer que não havia uma relação direta
com o interesse de acumulação de bens, mas uma relação
muito mais social na posse do escravo, não apenas no
alivio de trabalho braçal, mas uma ostentação de posição
social” (BRANDÃO,Tânia Mª.Pires. pp. 154)
Tânia Brandão relaciona a escravidão no Piauí como
instrumento de classe social, no entanto a autora se desfaz da linha da
violência branda da escravidão no Piauí como autores anteriores defendiam
e passam a defender a violência física e moral que os escravos sofreram,
fato retratado na carta da escrava Esperança Garcia, a qual, denunciava
maus tratos dos seus feitores. Esse era o período das denúncias, onde
os/as escravos/as praticavam a denuncia, como fez Esperança Garcia. Tânia
retrata o/a escravo/a como tendo privilégios, mesmo assim, não bastante
para que os senhores dessem suas cartas de alforrias.
Miridan Brito Knox, traz em seus estudos as
fazendas nacionais, no qual, atualmente se encontra a maioria das
comunidades remanescentes de quilombos. Na sua tese Miridan, não se alinha
a tese da negação, e sim da afirmação do trabalho escravo, embora que
em quantidade pequena, pois as fazendas nacionais não necessitavam de
muita mão-deobra. Aqui, a autora retoma ao mito das relações brandas, do
trabalhador livre pelas campinas. A autora coloca na sua tese a “criação
de escravos/as”, incentivo a procriação entre os escravos, mesmo após a
Lei do Ventre Livre, ocorria esse estimulo, pois na tese da autora esses
escravos detinham um sentimento de liberdade, no qual eram dados por seus
feitores, por isso, eles não fugiam e nem havia rebeliões.
Podemos analisar que os teóricos que estudaram a
escravidão no Piauí na sua maioria corroboraram de certa maneira para a
tese de negação do escravo/a no Piauí. Os que não negaram, colocam os
negros numa situação de cordialidade com seus senhores. Será que se
tivesse ocorrido essa cordialidade entre escravos/as e senhores tantos
negros/as viveriam na exclusão nesse estado? Na tese de Miridan, ela
questiona porque os/as escravos/as não fugiam, se eles trabalhavam livres
pelas campinas? Eles trabalhavam na “ilusão” da liberdade, nas promessas
de seus senhores e/ou para libertar seus filhos/as da escravidão. Assim,
muitos ainda tiveram suas alforrias, mas que logo após a proibição do
tráfico negreiro esses escravos/as libertos foram perseguidos e reescravizados.
Na promessa de alforria, muitos negros/as
trabalhavam na forma de pagamento nunca em dinheiro, mas em produtos, ou
animal ou produção agrícolas, em alguns casos na promessa de um pedaço de
terra. Todas essas tácticas foram utilizadas para seguram os/as escravos/as
no trabalho forçado. Muitos dos registros encontrados retratam escravos/as
fugidos/as, muitos com marcas de violência. Assim, podemos percebe que
teve escravidão no Piauí com maus tratos e
inclusive com processos de reescravização. Keila Grinberg, ressalta no seu
texto,
“O fato é que pouca atenção, até hoje, foi dada às práticas
de reescravização ocorridas no período, por intermédio
tanto da revogação da alforria quanto da escravização
ilegal de descendentes de indígenas, de libertas ou de
africanos chegados no Brasil após a lei 1831, que proibia
o tráfico atlântico de escravos.”
Keila Grinberg, analisa na sua tese a
reescravização sobre a ótica do direito, das leis e dos processos no
período da escravidão. A autora faz uma busca nas ações de
liberdade, ações de manutenção de liberdade e ações de escravidão, nessas
duas últimas, a autora de dedica. Como objeto de estudo Keila Grinberg
discuti “em que medida era possível voltar a atrás em uma doação de
liberdade, principalmente quando o individuo em questão já fora liberto há
muito tempo”.
A justiça foi uma estratégia utilizada pelos/as
negros/as para defender sua liberdade. Como a maioria dos juristas
estudava fora do Brasil, e vinha imbuídos do sentimento de igualdade ,
liberdade e fraternidade, ideais do pensamento da revolução francesa,
os/as negros/as vinham a possibilidade de ter suas liberdade garantidas e
como homens livres eram também cidadãos com direitos e deveres.
No entanto deve-se salientar que foram ínfima a
parcela de negros/as libertos que buscaram essa estratégia de buscar a
justiça para defender sua liberdade, por isso, considera que a
reescravização foi uma prática efetivamente executada. A maioria dos/as
escravos/as não tinham acesso a leitura e as informações, e isso se perdura até
os dias de hoje. Onde negros/as não acesso a escola, e não sabem de seus
direitos.
A maioria dos casos de ações de liberdade
analisados por Keila Grinberg tem o artigo 179 da Constituição Imperial, a
ordenação filipinas, livro 4, titulo 11, parágrafo 4, apareceram em
praticamente todas as ações de liberdade.
“O artigo 179 da Constituição Imperial, que versa sobre a
inviolabilidade da propriedade, era citado por advogados
dos proprietários de escravos, ao defenderem a
ilegalidade da retirada de suas propriedades sem prévio
consentimento.”
A princípio essas leis são mais favoráveis aos
escravos/as, são leis feitas para e pelos senhores. O Supremo Tribunal de
Justiça abriu um precedente que foi o caso de Rosalina Fernandes de
Almeida, no alvará de 10 de março de 1862, que alegava que ela e seus
filhos “já viviam há mais de 06 anos e, portanto, podia ser considerada livre,
em virtude da prescrição de cinco anos, decretada no parágrafo 5 do alvará
de 10 de março de 1682”. O objetivo era reforçar a escravidão antes dos/as
irem para Palmares, bem como daqueles que tinham nascidos se fossem
filhos/as de escravos/as. Podemos refletir, porque o Supremo Tribunal de
Justiça tenha se lembrado de um alvará de 200 anos atrás? Tem todo um
contexto temporal, mas não cabia mais ao Estado brasileiro manter a
escravidão, as fugas, revoltas e o cenário não estava mais propício para a manutenção
da escravidão.
“ O regime do cativeiro ainda era aceitável, era cada vez
mais difícil justificar a possibilidade de um individuo
passar da liberdade para a escravidão, principalmente
porque no Brasil, a conquista da liberdade significava
também adquirir direitos e cidadania.”
CONCLUSÃO
A escravidão no Piauí pode até ter sido mais
branda, no entanto mais duradoura, pois perdura até os dias atuais. A tese
da negação se enraizou no seio da sociedade piauiense que ainda hoje não
consegue enxergar seus negros/as. Mesmo com movimentos sociais urbanos e
rurais tentando obter sua visibilidade, ainda assim, somos invisíveis
perante parte da sociedade, mas principalmente pelo poder público.
Fato este que estudamos nas escolas Zumbi, Ganga
Zumba e se quer temos um material que fale da escravidão no Piauí, como as
denuncias feitas por Esperança Garcia fosse invisível e/ou nunca estivesse
existido. Nas lutas contemporâneas os quilombolas procuram seus direitos e
se quer são reconhecidos enquanto negros/as devido a tese de negação que
enraizou na sociedade piauiense.
Atualmente são cerca de 150 (cento e cinqüenta)
quilombos em todo estado do Piauí que buscam seu reconhecimento perante as
instituições detentoras das políticas públicas. E da mesma forma que foi
feita com os escravos do período imperial, faz com os quilombos
contemporâneos, aceitam-se um auto-reconhecimento do quilombo, mas os
entraves burocráticos dificultam o acesso às políticas públicas, bem como as
políticas de ações afirmativas.
Os resquícios do sistema escravista são visíveis,
os/as negros são quem não tem acesso as políticas públicas e sociais desse
Estado. A invisibilidade está somente na “cordialidade” da tese de
negação, essa cordialidade ainda hoje é feita pelos senhores e senhoras
modernos. Quando pegam as criadas pra olhar seus filhos/as em troca
da ajuda, quando casam negros/as entre fazendas e doam um pedaço de terra
não fértil para aquele casal, etc, são exemplos dos resquícios da
escravidão no Piauí.
Nos quilombos no Piauí é fácil encontrar história
de casamentos entre negros de fazendas diferentes, ambos os senhores davam
aquele lote de terra para o casal, para que procriassem e seus filhos/as fossem
trabalhar nas fazendas de gado, nos engenhos ou mesmo na plantação da
mandioca. Por exemplo, a história do quilombo Tapuio – Queimada Nova é uma
das tantas, Dionísio e Brígida tiveram seus casamentos arrumados por seus
senhores, nem Dionísio e nem Brígida se consideravam escravos, pois era de
dentro de casa grande, ao se casarem os senhores deram a posse das
terras em pagamento do quinto de Dionísio, com o passar dos tempos os
filhos/as de Dionísio e Brígida foram sendo os agregados dos seus senhores
e até hoje seus descendentes trabalham para os brancos como agregados,
nenhum era vaqueiro.
Histórias como o quilombo Tapuio são visíveis, mas
a sociedade piauiense baseada nas teses de seus estudiosos as torna
invisíveis. O grande desafio é dá visibilidade a história dos/as negros/as
e ajudar aos negros e negras desse estado a (re) construir sua
história. Como disse Maria Rosalina – Coordenadora Estadual das
Comunidades Quilombolas no estado do Piauí (CECOQ/PI) “ Não viemos pra ser
noticias, estamos aqui para ser sujeitos de direitos e (re) construir
nossa história”.
Bibliografia
BRANDÃO. Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: Perspectiva histórica do século XVII. Editora da Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, 1999.
GRINGBERG. Keila. Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX. IN: Direitos e Justiças no Brasil: Ensaios de história oral. ORG. Silvia Hunold Lara e Joseli Maria Nunes Mendonça. Editora da UNICAMP, Campinas -SP,2006, pp.100-128.
BRANDÃO. Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: Perspectiva histórica do século XVII. Editora da Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, 1999.
GRINGBERG. Keila. Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX. IN: Direitos e Justiças no Brasil: Ensaios de história oral. ORG. Silvia Hunold Lara e Joseli Maria Nunes Mendonça. Editora da UNICAMP, Campinas -SP,2006, pp.100-128.
Nenhum comentário:
Postar um comentário